Carne — A Natureza Pecaminosa
Do grego “sarx”, o termo “carne” tratado no presente estudo não refere-se literalmente ao corpo físico, mas sim, a natureza pecaminosa que reside sem exceção em cada pessoa. Carne é a palavra utilizada para designar a natureza adâmica, a qual é proveniente da “...desobediência de um só homem [Adão, e após isso], muitos se tornaram pecadores...” (Rm 5.19). O efeito da Queda arraigou-se tão profundamente na natureza humana que, Adão, como pai da raça humana, transmitiu a seus descendentes uma “deficiência moral” e por conseguinte, a inclinação para pecar. Posto isto, logo entende-se que a natureza adâmica é quem domina a velha criatura e a instiga constantemente ao pecado; que é a sede dos apetites carnais (Mt 26.41) e que denota a fragilidade humana e a sua tendência natural ao pecado.
A carne representa o que somos por nascimento, o homem natural. Já o homem espiritual nos tornamos pelo novo nascimento, o nascimento do Espírito: “Na verdade, na verdade te digo, que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito” (Jo 3.5-6). O homem somente pode viver em novidade de vida se, pela fé, receber Jesus Cristo como Salvador e, a partir disto, dispor de uma vida controlada pelo Espírito Santo.
No Novo Testamento, a palavra carne [gr. sarx] é usada em pelo menos três sentidos:
1º - Num sentido geral, para aludir simplesmente à humanidade.
2º - Num sentido mais específico, para aludir o aspecto físico e material do corpo humano.
3º - E num sentido ainda mais específico, para aludir à natureza humana perversa e corrompida pelo pecado. Neste caso inclui o coração, a mente e o corpo do homem.
Está natureza, a carne, faz referência ao conjunto de princípios diferentes — incluindo maneiras de ser, pensar, sentir ou agir — que os seres humanos tendem a ter inatamente, independente da influência dos familiares, sociedade, cultura ou religião. Ela denota o coração degenerado e diz respeito ao que nós somos por natureza (Mc 7.21-23); refere-se à perversidade, corrupção, o mal inato do homem não regenerado. É a falta que o homem tem de justiça original e afeições santas para com Deus, e também a corrupção significativa de sua natureza moral e sua tendência para o mal; denota ainda, as manchas da nossa alma, em cujo caráter encontra-se subordinado a ser e a fazer o que é moralmente mal e injusto diante de Deus.
Os desejos da carne serão sempre contrários à vontade de Deus. Tal natureza nos faz rebeldes contra Ele. Dada a escolha de fazer a vontade de Deus ou a nossa, naturalmente escolheremos fazer a nossa. Em Romanos 7.18-20, Paulo falando sobre o estado especifico da sua natureza pecaminosa disse: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faço, mas o pecado que habita em mim”.
Na Bíblia, esta condição moral da alma é descrita de muitas maneiras: todos pecaram (Rm 3.9); todos estão debaixo da maldição (Gl 3.10). O homem natural é estranho às coisas de Deus (1Cr 2.15); o coração natural é enganoso e perverso (Jr 17.9); a natureza mental e moral é corrupta (Gn 6.5,12; 8.21); o pecador é escravo do pecado (Rm 6.17; 7.15); é controlado pelo diabo (Ef 2.2); está morto moral e espiritualmente em ofensas e pecados (Ef 2.1); e é filho da ira (Ef 2.3).
A prova dessa natureza é abundante. Onde quer que as pessoas estejam, há problemas. Toda sociedade demonstra a influência da queda em suas atitudes, desígnios e culturas. O retrato da sociedade é uma figura borrada pelo mal, onde para sua própria comodidade a verdade é por este pervertida e convertida em mentira. É a inversão de valores vista por Paulo em seus dias (Rm 1.18) e que pode ser vista por nós hoje porque é fruto do mal que transpassa as eras, a natureza corrompida. A reflexão paulina é um olhar para a Bíblia e outro para a sociedade, para comprovar que tudo o que a Bíblia diz pode ser visto nitidamente entre nós. Os sinais da corrupção são latentes. Crimes cada vez mais macabros e violentos. Assassinatos bárbaros e outros crimes hediondos que vemos nos canais informativos, são normais? Naturais? Pais que estupram as próprias filhas e algumas, na mais tenra infância. A sociedade muitas vezes fica chocada com os noticiários, em ver as barbaridades realizadas pelos humanos; sem ter em conta, ainda, as atrocidades que acontecem em oculto ou as que ocorrem no submundo as quais não ficamos sabendo.
Mesmo no seio das famílias encontra-se tal corrupção. Pais contra filhos e filhos contra os pais. Irmãos contra irmãos, e mesmo entre amigos ou pessoas mais próximas não escapam dessa decadência moral. Por exemplo, ninguém tem que ensinar uma criança a mentir, ser egoísta ou desobediente. Em vez disso, ela tem tais comportamentos espontaneamente desde a mais tenra idade, e seus responsáveis têm que se esforçarem para ensiná-la a dizer a verdade, colocar os outros em primeiro lugar e ser obediente, caso contrário, crescerá uma pessoa completamente delinquente. Tratando dessa condição humana, Deus ao observar a criação disse: “...o coração do ser humano é inclinado para o mal desde a sua infância...” (Gn 8.21). Neste sentido, em um período pós-dilúvio, onde habitavam a Terra apenas Noé e sua família salva, Deus já declarava que o mal era essência comportamental do homem desde a sua infância. Esta relação se dá unicamente através do pecado cometido por Adão, que marcou profunda corrupção moral e uma herança maldita em todas as gerações futuras.
Toda criatura humana herda um caráter corrupto em Adão e consequentemente tem sua natureza corrompida desde o nascimento (Sl 51.5; 58.3). Cada ser humano, após Adão, já nasce em pecado; ou seja, ele não aprende a pecar somente por influência externa ou mesmo por imitação, ao contrário, ele já nasce num estado de inimizade em detrimento a Deus. Davi, porque sabia disso, disse: “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5). Disse ainda: “Os ímpios alienam-se desde a madre; andam errados desde que nasceram, proferindo mentiras” (Sl 58.3). Isto evidencia que não somos pecadores somente por causa de atos externos como: adultério, cobiça, homicídio, sensualidade, furto, etc. Mas porque nascemos em pecado. Sendo assim, aos olhos de Deus, nunca podemos ser bons pelos nossos próprios esforços. A pessoa degenerada acredita que é boa, entanto, enquanto não for transformada por Cristo, é denominada pela sua natureza pecadora, a qual é a raiz de todos os outros pecados que ela comete ao longo da vida. O pecado é tanto um ato quanto um estado. A expressão “ato” não indica apenas as ações externas praticadas por meio do corpo, mas também todos os pensamentos e vontades conscientes que decorrem da carne — o estado pecaminoso. Logo, podem ser interiores, como no caso de um mau desígnio sediado na mente, de invejas, egoísmo, pensamentos maldosos, ou de uma cobiça consciente e particular do coração; mas também podem ser em práticas externas, como a fraude, a ostentação, o narcisismo, atos agressivos e violentos, a prostituição, a soberba, etc. São os pecados individuais expressos em atos, que nasceram da natureza e inclinação herdada.
“Este é o mal que há em tudo o que acontece debaixo do sol: O destino de todos é o mesmo. O coração humano, além do mais, está cheio de maldade e de loucura durante toda a vida, e por fim, eles se vão aos mortos” (Ec 9.3). Portanto, nossa condição de pecadores não se restringe meramente ao que fizemos, mas decorre do que somos naturalmente, desde o ventre.
Falando ainda sobre o estado em que os pecadores se encontram, em Romanos 3.9-18, a Palavra do Senhor diz: “...todos estão debaixo do pecado. Como está escrito: Não há nenhum justo, nem um sequer; não há ninguém que entenda, não há ninguém que busque a Deus. Todos se desviaram e juntamente se tornaram inúteis. Não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer. Suas gargantas são um sepulcro aberto: com as suas línguas tratam enganosamente: veneno de serpentes está debaixo de seus lábios. Suas bocas estão cheias de maldição e amargura. Seus pés são ágeis para derramar sangue; destruição e miséria marcam os seus caminhos, e não conhecem o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos”.
A Bíblia explica a razão do problema. A humanidade é pecadora, não apenas nos pensamentos, nas intenções ou nas práticas, mas por natureza. O pecado faz parte da própria fibra do nosso ser, e essa condição é universal na humanidade. Todos nós temos uma natureza pecaminosa e ela afeta cada parte do nosso ser. Paulo, mencionando seu estado antes da conversão observou: “...eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado” (Rm 7.14).
Há uma disposição entranhada no interior de cada criatura humana para praticar o pecado e Paulo ensina e atribui a origem da universalidade do pecado ao cabeça da raça humana [Adão]. O apóstolo Paulo tratou profundamente da doutrina do pecado e ensina que os cristãos autênticos, antes de serem alcançados pela graça de Deus, mediante a obra expiatória de Cristo, vivem em ofensas e pecados, fazendo a vontade do diabo, da carne e andando segundo o curso deste mundo, e por isso eram considerados “...por natureza filhos da ira divina” (Ef 2.3). A expressão “filhos da ira” denota o estado de condenação em decorrência da herança do pecado que todos recebemos de nossos pais [Adão e Eva]. Entende-se por “natureza” algo inato e original distinto daquilo que se adquire posteriormente.
Sem dúvida, o apóstolo coloca o texto no passado com o verbo “éramos”, para indicar que, ao sermos regenerados pelo Santo Espírito, fomos agraciados pela graça de Deus: “Dou graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De modo que, com a mente [e sob o domínio do Espírito Santo], sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado” (Rm 7.25).
A CARNE E O SISTEMA DO MUNDO
O homem e a mulher foram formados por Deus como sendo a Sua imagem e semelhança, e, portanto, foram criados bons, com caráter justo e como a coroa de toda a criação (Sl 8.4-8). Eles foram formados para viverem perfeitos em todos os sentidos da vida neste mundo, subjugando toda a criação e dominando sobre ela. O resultado deles em obras e realizações são parte do propósito divino desde a fundação do mundo. Ao criar o homem à Sua imagem e semelhança, Deus comunicou à criatura capacidades de cumprir esse propósito. Sendo à imagem de Deus, o homem se parece com o Criador em alguns sentidos; ou seja, Deus lhe comunicou certas características que refletem algumas qualidades divinas. Portanto, a cultura humana era originalmente boa, visto que o homem foi colocado neste mundo para ser o representante de Deus; o refletor de Sua glória. Não havia maldade, morte ou qualquer tipo de injustiça; não havia nenhum tipo de pecado, dado que o pecado em si, engloba todo tipo de aversão contra Deus. Além disso, a Bíblia diz claramente que tudo quanto Deus criou expressava seu caráter perfeito, então era tudo “muito bom” (Gn 1.31).
Deus formou o homem um ser livre e o mundo fora criado para expressar a sua liberdade. A única restrição lhe imposta por Deus era para não comer do fruto da arvore da vida, mas ainda assim, o homem tinha —como sempre teve — a livre escolha de respeitá-Lo ou não, referia-se ao “livre-arbítrio”. A prova da parte de Deus no que tange a obediência humana em não comer do fruto era para que o homem pela sua capacidade [semelhança a Deus] respeitasse os limites que lhe fora dado na criação (Gn 2.16-17). No entanto, o propósito de Deus ao proibir o fruto consistia em testar a sua fidelidade e conferir se ele o amaria de todo coração expressando livremente seu sentimento em obediência (Jo 14.15,21).
Antes de desobedecer a Deus, os primeiros humanos [Adão e Eva] levavam em si a gênese de toda a sua descendência e a representavam como sendo o princípio da humanidade.
Tão logo o homem pecou (Gn 3), e depois da Queda seu governo sobre o mundo e as demais criaturas bem como a sua essência intrínseca se tornaram significativamente pervertidos pelo pecado. O pecado trouxe sérias consequências, as quais se estenderam a toda Terra e animais (Rm 8.19-23), principalmente à toda raça humana: “...da mesma forma que o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os humanos por isso que todos pecaram” (Rm 5.12).
Adão e Eva conheceram pessoalmente o mal: “Seus olhos foram abertos” (Gn 3.7). Quando seus olhos foram abertos, tiveram consciência de sua culpa e uma forte convicção de que haviam desobedecido a Deus lhes sobreveio. A comunhão e a amizade com Ele foram interrompidas e fugiram de Sua presença, o que chamamos de morte espiritual. Os humanos, dessa forma, deixaram de ser bons, justos e inocentes, tendo agora uma natureza corrompida. Sua mente e seu coração ficaram intrinsecamente sujos e endurecidos, e passaram a viver rebeldes e alienados de Deus (Is 59.1-2; Rm 3.23).
O pecado trouxe consequências individual e coletiva que se estendeu a todas as gerações. Uma das principais consequências do pecado original é o afastamento de Deus (Rm 3.23). A escolha preferencial do “eu”, em detrimento a Deus, tornou-se o objeto do sentimento e fim principal de suas vidas. Vê-se, até os dias atuais, que às pessoas preferem atender aos ímpetos do seu ego a fazer de Deus o centro de suas vidas: “…a luz [Jesus] veio ao mundo, e as pessoas amaram mais as trevas [pecado] do que a luz, porque elas praticam o que é mal. Porque todo aquele que faz o mal aborrece [odeia] a luz e não vem para a luz para que as suas obras não sejam reprovadas. Mas quem pratica a verdade vem para a luz [Jesus], a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus” (Jo 3.19-21). A humanidade curvou-se às concupiscências da carne. Renderam-se incondicionalmente a sua alienação em lugar do projeto de um mundo perfeito que o Criador o fez para suas vidas. Berkhof, escreveu que “o pecado, como estado, é dessemelhança em relação a Deus, como princípio é oposição a Deus, e como ato é transgressão à lei de Deus”.
Embora tivesse sido criado originalmente bom, por causa do pecado, agora o homem é por natureza inclinado ao mal. Por conseguinte, todas as suas obras, atividades, costumes, crenças e valores carregam as marcas do pecado. Os capítulos iniciais de Gênesis (cf. 4-6) mostram isso claramente. Tão logo que a humanidade começou a se desenvolver, a cultura humana já era marcada por mentiras, invejas, assassinatos, imoralidades e muitas outras maldades.
O pecado entrou no mundo e arrasou com a moralidade e a consciência do bem entre os humanos. No entanto, não conseguiu retirar totalmente deles a imagem de Deus, mas a deportou consideravelmente e os fez violentos, imorais e corruptos, o que chamamos de morte moral. O pecado fez com que o homem se desviasse dos propósitos de Deus. Os propósitos de Deus, desde a origem de todas as coisas, sempre foram bons para a humanidade, porém, a natureza adâmica fez com que “todos se desviaram, e juntamente se fizeram imundos. Não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer” (Sl 53.2-3). Todos foram afetados pelo pecado de Adão e Eva, por isto o homem natural realiza poucas coisas moral e espiritualmente boas. A corrupção pecaminosa atingiu a natureza humana de forma tão profunda ao ponto de transformar o homem num agente inerte e incapaz de vencer sua própria cegueira e rebelião contra Deus.
Com isso, entendemos que nossa essência enquanto seres humanos naturais fora comprometida na queda do primeiro homem e suas consequências trouxeram à humanidade as mortes moral, espiritual, física e eterna, além de uma inabilidade total à obediência a Deus. Escravizado em seu ser, o ímpio não quer fazer outra coisa a não ser se sujeitar a sua natureza corrupta, desejando livremente e voluntariamente praticar obras más.
Com a Queda, todas as áreas da vida foram afetadas por inimizade e separação. Inimizade e separação entre Deus e os seres humanos, entre o homem e a mulher, e entre os seres humanos e a criação. Todas as três áreas de atuação do homem, espiritual, social e cultural, foram manchadas pelo pecado.
A Lei da carne (Rm 7.25) passou a estar em vigor em todas as esferas do mundo, porquanto todas foram maculadas pelo pecado. Não há nenhuma parte ou área de atuação humana que não tenha sido afetada. O sistema da vida que rege o mundo tornou-se ímpio, com total aversão para com Deus, e seu pecado a cada dia aumenta à medida que a população mundial aumenta.
Em 2 Pedro 2.19, está escrito que o homem é escravo daquilo que o domina. A injustiça, a violência, a maldade e todos os prazeres pecaminosos da carne [natureza caída] acometeram os humanos e passaram a dominar o reino deste mundo: “Porque tudo o que há no mundo, há os maus desejos da carne [natureza caída], os maus desejos dos olhos e a soberba da vida, e isso não é do Pai, mas do mundo. O mundo e seus maus desejos passam, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1Jo 2.15-17). Hoje o mundo encontra-se pervertido, e ama-lo é aceitar e ser conivente com o pecado que o domina, é ser condizente com toda pecaminosidade subsistente nele, as quais são provenientes da atuação maligna (1Jo 5.19) e da natureza pecadora, a carne: “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser. Quem é dominado pela carne não pode agradar a Deus” (Rm 8.7-8). Embora inúmeras pessoas [ímpias] não se conscientizem disso, sua natureza carnal vive alienada e em rebelião contra Deus. Ela não se sujeita a Sua lei e mantém-se afastada dEle a fim de satisfazer as suas próprias vontades pessoais. A carne e o sistema do mundo, diante disso, tornaram-se inimigos de Deus: “...a amizade com o mundo é inimizade contra Deus. Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus” (Tg 4.4).
O pecado atingiu a raça humana e aquilo que é produzido por ela. A carnalidade tornou-se o império do mundo que se sujeitou, por meio do pecado (1Jo 3.8), ao governo de satanás: “Naquele tempo vocês seguiam o mal caminho deste mundo e faziam a vontade do príncipe das potestades do ar [o diabo], o espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós também andávamos antes, nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos. E como eles, éramos por natureza filhos da ira” (Ef 2.2-3).
Rebelar-se contra Deus é característica fundamental deste sistema perverso. O cosmo é o mundo que deu as costas para Deus, é rebelde e desobediente para com Ele (Rm 3.16;19; 2Co5.19). Na perspectiva paulina a humanidade corrompida não sabe qual é a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus. Acreditam conhecer a Deus, mas o desconhecem (1Co 2.12-16). Encontram-se fadados ao pecado e rumam para o julgamento (Rm 3.6; 1Co11.32). Em vista disto, os filhos de Deus foram arrancados do reino do mundo e transportados para o reino de Deus (Jo 17.14-16). Eles não se conformam com este mundo e morreram para a carne crucificando-a com suas paixões e concupiscências (Gl 5.24). Não há como os verdadeiros cristãos fazerem parte ou serem iguais as pessoas pecadoras deste mundo. São dois grupos distintos de povos, governados por senhores diferentes. Enquanto um grupo é moral, o outro é imoral. Enquanto um é justo, o outro é injusto. Um faz parte do reino de Deus o qual é governado por Ele, enquanto o outro faz parte do reino do mundo o qual é governado pelo diabo.
O mundo fora criado por Deus, mas depois do pecado ter tomado conta da coroa da criação como uma praga infecciosa, ele está sentenciado a destruição e todo seu curso se encaminha para tal finalidade. Por isso, vê-se por toda a Bíblia Deus convidando Seu povo a se separar de seu sistema corrupto: “Pelo que saí do meio deles e se separem, diz o Senhor; E não toquem em nada imundo, e Eu vos receberei” (2Co 6.17; cf. Js 23.12-16; Êx 34.14-16; Dt 7.1-3; Ed 9.1-2, 11-12; Ne 13.23-27). E disse mais: “Fala a toda a congregação dos filhos de Israel e dize-lhes: Sejam santos [separados], porque Eu, o Senhor vosso Deus, Sou Santo” (Lv 19.2; cf. 1Pe 1.15-16).
De fato, durante o tempo em que viver neste mundo cheio de pecado, o verdadeiro cristão estará sujeito a sofrer aflições, perseguições, injustiças e todo tipo de hostilidades. E irá padecer também ataques e tentações provenientes do diabo e de sua hoste maligna. O inimigo busca nossa destruição, chamando-nos para longe do Espírito, para que nos rendamos novamente à carne e voltemos a fazer parte desse sistema falido.
Inúmeras vezes o diabo e seus demônios usam as fraquezas pessoais — nervosismo, sensualidade, cobiça, egoísmo, avareza, vaidade, inveja, soberba, etc — bem como os atrativos pecaminosos do mundo para armar situações e tentar o cristão em cima das deficiências de sua natureza carnal: “Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pelos seus próprios maus desejos” (Tg 1.14). Ser tentado não é pecado, o problema é ceder à tentação. Se o cristão se entrega ao pecado, não é porque a graça divina é insuficiente, mas porque ele deixa de resistir, pelo poder do Espírito Santo, a seus próprios desejos pecaminosos: “Não veio sobre vocês tentação senão humana [ou seja, em cima da natureza pecaminosa]; mas fiel é Deus, que não deixará vocês serem tentados acima do que podem; antes, com a tentação também dará o escape, para que a possam suportar” (1Co 10.13).
O Espírito Santo afirma explicitamente que Deus outorga aos seus filhos graça suficiente para vencer todas as tentações e, assim, resistir as tentações da carne e do diabo (2Ts 3.3; Tg 4.7). A fidelidade de Deus expressa-se de duas maneiras: (a) Ele não permitirá que sejamos tentados além do que podemos suportar, e (b) Ele, ocorrendo a tentação, proverá os meios de a suportarmos e vencermos o pecado.
“Ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, justa e piamente” (Tt 2.12). A graça de Deus (Ef 2.8-10), o sangue de Jesus Cristo (Ef 2.13), a Palavra de Deus (Ef 6.17; 2 Tm 3.16-17), o poder do Espírito Santo que em nós habita (Lc 24.49; Tt 3.5-6) e a intercessão celestial de Cristo proporcionam poder suficiente para a guerra do crente contra o pecado e contra as hostes espirituais da maldade (Ef 6.10-18; Hb 7.25).
A Trindade Santíssima é aliada do crente e enquanto o corpo de Cristo peregrinar neste mundo, Ela estará presente para ajudá-los a vencer a carne, o diabo e o mundo.
A LUTA ENTRE A CARNE E O ESPÍRITO
Tão logo que aceita a Jesus, o cristão passa a ter entranhado em si um conflito que envolve a totalidade do seu ser. Este conflito resulta, ou numa sujeição às más inclinações da carne, o que significa voltar ao domínio do pecado; ou numa plena submissão à vontade do Espírito Santo, continuando o crente sob o senhorio de Cristo (v. 16; Rm 8.4-14). Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, disse: “Por isso digo: andem em Espírito, e de modo nenhum satisfarão os maus desejos da carne. Pois a carne deseja o que é contrário ao Espírito; e o Espírito, o que é contrário à carne. Eles opõem-se um ao outro, de modo que vocês não fazem o que querem” (Gl 5.16-17). O contraste aqui não é entre a carne e o espírito humano, mas entre a vida que serve à carne, isto é, à natureza caída, e a vida guiada pelo Espírito Santo, sendo assim não diz respeito a um conflito isolado entre o corpo físico e a alma, mas entre o velho homem, que é dirigido pela sua natureza degenerada, e o novo homem, cheio do Espírito de Deus.
A natureza caída tenta resistir ao domínio do Espírito Santo procurando apoderar-se novamente do seu lugar. O Espírito, por sua vez, é inimigo da carne. Ele ajuda o cristão a reprimi-la e o faz ansiar pela santificação, pela glória de Deus, e por uma vida moral e espiritualmente abundante. Deste modo, ou estamos fazendo a vontade do Espírito, ou automaticamente satisfaremos os desejos da carne (Gl 5.17).
A carne faz parte da tríade de inimigos que cada filho de Deus tem, os quais são: a carne, o mundo e o diabo. O pior destes três inimigos é a carne. Ela continua mortificada [dominada] no cristão ao longo de sua conversão, e constitui-se em seu inimigo mortal. Estar em conflito com a velha natureza é guerrear consigo mesmo. Tratando sobre isso, Paulo, em sua carta aos romanos (7.18) disse: “Porque sei que na minha pessoa, isto é, na minha carne, não habita bem algum. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo”. A carne é um inimigo que precisa ser morto em nós. Ela escraviza com uma suposta sensação de liberdade e não deixa a pessoa fazer o que realmente quer (Gl 5.17).
Trava-se no campo do nosso coração (Lc 6.45) essa guerra sem trégua entre a velha natureza pecadora e o Espírito Santo. Ambos têm desejos e objetivos diferentes e é isso o que gera os conflitos. Nessa luta prevalece quem munirmos mais: Se alimentarmos a carne, fazendo provisão para ela, fracassaremos irremediavelmente. Porém, se pelo Espírito vivermos uma vida de oração, jejum e santificação, jamais satisfaremos as concupiscências da carne. Alimentar, portanto, a carne é ultrajar, entristecer e extinguir o Santo Espírito de Deus. Precisamos sujeitar nossa vontade ao Espírito em vez de entregar o comando dela à carne: “...porque se pelo Espírito fizerdes morrer as obras do vosso corpo vivereis” (Rm 8.13).
Nosso corpo pode ser templo do Consolador divino ou templo da Natureza Pecaminosa, dado que fomos salvos da condenação e do poder do pecado, mas isso não significa que estamos livres da presença do pecado. Apesar da natureza carnal ser uma realidade que escraviza inúmeros, os filhos de Deus foram libertos por Cristo (Jo 8.36) e já não são mais escravos da carne. Foram salvos pelo sangue do Cordeiro e livres para viverem em santidade. A liberdade cristã, porém, não é liberdade para pecar, mas liberdade de consciência, liberdade para obedecer e não ceder oportunidade à carne: “Irmãos, vocês foram chamados para a liberdade. Mas não usem a liberdade para dar ocasião à vontade da carne...” (Gl 5.13). Fomos chamados para a liberdade, para viver em novidade de vida, e não para nos submeter novamente a escravidão do pecado por meio da carne.
A liberdade cristã não é licenciosidade, mas deleite na santidade. A liberdade cristã é a liberdade do pecado e não uma iniciativa para pecar. É uma liberdade irrestrita para aproximar-se de Deus como seus filhos, não uma liberdade irrestrita para chafurda-se no egoísmo. A licenciosidade, propriamente dita, não é liberdade alguma; é outra forma mais terrível de servidão, uma escravidão aos desejos de nossa natureza caída.
Jesus disse que aquele que pratica o pecado é escravo do pecado (Jo 8.34). Nessa mesma linha, Paulo explica que o homem antes da sua conversão é escravo de toda a sorte de paixões e prazeres carnais (Tt 3.3). O cristão somente consegue se ver livre dos impulsos da velha natureza através do Espírito Santo. Quem anda no Espírito é livre e resiste às obras da carne, pois somente cheios dEle teremos condições de viver em santidade, de modo a exaltar e a glorificar o nome do Senhor. Logo, quem de fato deve controlar a vida do crente é o Espírito Santo. Homem algum tem o poder de controlar ou transformar a natureza de outra pessoa, somente Deus tem esse poder (Dt 30.6; Ez 36.26). A natureza pecaminosa nos incentiva a viver em concupiscência, egoísmo, desrespeito, soberba, injustiça, arrogância, invejas, mentiras, profanidade, vícios, materialismo, ignorância, desejos descontrolados, paixões impuras, etc. (cf. Mc 7.21-22; Gl 5.19-21; 2Pe 2.10).
“Ou vocês não sabem que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os alcoólatras, nem os maldizentes, e nem os que roubam herdarão o reino de Deus” (1Co 6.9-10). As obras que a natureza ímpia [carne] produz são extensas. Gálatas 5.19-21, demonstra parcialmente quando afirma que elas: “...são manifestas, as quais são: Prostituição, impureza, sensualidade, idolatria, feitiçarias, inimizades, disputas, emulações, iras, pelejas, divisões, heresias, invejas, homicídios, bebidas alcóolicas, gula, e coisas semelhantes a estas...”. Considere que, essas listas, embora extensas, não estão exaustivas, porquanto não esgotam todas as obras da carne uma vez que Paulo conclui dizendo: “... e coisas semelhantes a estas” (v 21). Há também outras listas de pecados semelhantes a essas nos escritos de Paulo que podem ser caracterizadas como obras da natureza caída do ser humano (Rm 1.18-32; 1Co 5.9-11; 2Co 12.20,21; Ef 4.19; 5.3-5; Cl 3.5-9; 1Ts 2.3; 4.3-7; 1Tm 1.9,10; 6.4,5; 2Tm 3.2-5; Tt 3.3,9,10). Outra questão que cabe ressaltar, é que qualquer um dos itens descritos em ambas as listas das obras da carne sem o devido arrependimento e conversão, já são capazes de nos usurpar o reino do céu: "Repito o que eu já disse antes: que os que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deus” (Gl 5.21).
A carne tem desejos ardentes que nos arrastam para longe de Deus. Deus é a fonte da vida, e os desejos da carne, em contraste, levam à morte: “Porque a inclinação da carne é morte [morte eterna, condenação]; mas a inclinação do Espírito é vida e paz” (Rm 8.6). A única maneira de triunfar sobre esses apetites é andar no Espírito: “...se pelo Espírito fizerem morrer as obras do corpo, viverão, porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus esses são os filhos de Deus” (Rm 8.13-14).
O Espírito Santo nos impulsiona a orar, jejuar, santificar, e buscar a Deus, mas a carne, de maneira oposta, prefere os deleites do mundo, as regalias; prefere inflar o ego, satisfazer as concupiscências, comer bem e ficar no conforto de casa. Precisamos ter cuidado, pois a oposição da carne contra o Espírito é algo contínuo. Essa oposição somente será vencida se procurarmos viver cheios do Espírito Santo. E estejamos reiterados também de que o embate entre a carne e o Espírito vai perdurar até o dia que receberemos do Senhor um corpo glorificado (Fp 3.21). Esse duelo durará por toda a vida terrena, visto que o crente por fim reinará com Cristo (Rm 7.7-25; 2 Tm 2.12; Ap 12.11; ver Ef 6.11).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista os aspectos observados, conclui-se, portanto, que a natureza humana é substancialmente corrompida pelo pecado. Pois, a tendência humana para fazer aquilo que contraria a vontade de Deus só corrobora sua essência caída e degradada. Desse modo, uma vida de desobediência, declínio moral, propensa a fazer o mal e disposta a satisfazer todo tipo de desejos antagônicos ao caráter divino só reforça sua submissão ao pecado.
O pecado, então, vai além das pecaminosas ações externas, tem a ver com uma condição interna, a natureza pecaminosa, que subsiste dentro de cada pessoa e a incita constantemente a praticar o mal. Está corrupção interna é a fonte poluída de todos os pecados atuais. O pecado contamina cada aspecto de nossa existência e se aloja no âmago do coração humano: “...O coração dos homens está cheio de maldade, nele há desvarios enquanto vivem” (Ec 9.3). O Senhor Jesus disse que “do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias” (Mt 15.19). Por natureza, os humanos enquanto ímpios tem uma mente carnal (Cl 2.18), um coração perverso que o tempo todo planeja o mal (Pv 6.14). Sua mente e seu coração, isto é, a origem de seus pensamentos e vontades encontram-se igualmente caídos. Ambos estão ajustados para agradar a si mesmos, ao diabo (Jo 8.44), e não a Deus.
Existem dois estados de pecado, o primeiro em que o pecado se perpetua através das gerações como uma maldição iniciada por Adão, daí onde originou-se a natureza pecadora, e o segundo em que o pecado é cometido diretamente pela pessoa durante a sua vida. Assim, somos todos pecadores através da herança maldita passada por Adão, pois quando a fonte é poluída, toda a corrente também fica poluída, mas também porque continuamos pecando até nos encontramos com Cristo. Ambas as formas de pecados são provenientes da natureza caída, a carne.
Os efeitos da carnalidade são notoriamente visíveis na sociedade contemporânea. Com o aumento paulatino do pecado (Mt 24.12), as pessoas estão cada vez mais endurecidas (Hb 3.13), e em resistência não suportam mais ouvirem falar sobre a justiça de Deus (At 17.32) e, inúmeras vezes, opõem-se abertamente a elas. Encontram-se distantes do Senhor, e em seu estado natural não querem saber dEle, ao invés disso, tornaram-se “amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, profanos” (2Tm 3.2).
O ser humano caído tem uma concepção muito errada de si mesmo e da verdade. Ele não é “bonzinho” nem “justo” do jeito que pensa a seu respeito. O ser humano caído é mal e injusto, mas apenas se dá conta dessas peculiaridades quando, através do Espírito Santo (Jo 16.8), se conscientiza do quão é pecador e destituído de bondade e de justiça; é quando compara a sua vida com a veracidade da Bíblia Sagrada e compreende que é mal, errado e injusto [imoral].
Da mesma forma que a gravidade, de acordo com sua lei, só leva um objeto para baixo, assim também, para que o homem se levante do lamaçal do pecado, é preciso que uma força externa o faça subir. E, essa é a relação de Deus com o homem. Pois, enquanto o poder divino o sustenta, ele é impedido de afundar cada vez mais no pecado; todavia, retirado esse poder, o homem cai. Ou seja, seu próprio pecado o afunda. O que até agora sustenta a humanidade é o amor, a misericórdia e a graça de Deus, caso contrário, este mundo já teria ido a colapso a muito tempo. Como fora nos dias de Noé (Lc 17.26-29), as pessoas veiculadas pela natureza carnal buscam somente satisfazerem os desejos imorais de sua carne e a promoverem a malícia, a injustiça e o ódio.
Contudo, cabe reiterar que o fato de todos os humanos degenerados serem corrompidos pelo pecado não significa que sejam totalmente mal ou que toda obra que façam seja inteira e perfeitamente má, e também não significa dizer que eles irão cometer todos os pecados possíveis. Significa apenas que em sua essência, enquanto não se converterem genuinamente a Deus, tende a prevalecer a herança maligna vinda dos primórdios e que, por mais que sejam maus por natureza, ainda podem praticar coisas boas.
Quando Adão e Eva pecaram, a imagem de Deus que havia neles foi seriamente danificada, mas não totalmente destruída. Inevitavelmente, a semelhança moral de Deus, nos homens, ficou arruinada quando Adão e Eva pecaram; deixaram de ser perfeitos e bons e passaram a ser propensos ao pecado; propensão esta, ou tendência que transmitiram aos filhos geração após geração (Gn 4; Rm 5.12).
Entretanto, é importante entendermos que a humanidade não participou do pecado de Adão e Eva e por isso não herda a sua culpa. A Bíblia não diz, em nenhum lugar, que o pecado de Adão e Eva foi-lhes imputado. Todos são culpados diante de Deus em decorrência dos seus próprios pecados pessoais, porque “todos pecaram” (Rm 5.12). O único ensino no tocante a isso, que tem apoio bíblico, é que homens e mulheres herdam uma natureza moral corrupta, bem como a propensão para o pecado e o mal. Isso denota a degradação e a incompatibilidade na imagem e semelhança que o homem degenerado tem para com Deus.
O Novo Testamento confirma o estrago da imagem de Deus nos humanos quando declara que o crente redimido deve ser renovado segundo a semelhança moral de Deus (cf. Ef 4.22,24; Cl 3.10); isso evidencia que, apesar da raça humana ser pecadora como é, ainda retém uma porção elevada da semelhança de Deus na sua inteligência e na capacidade de comunhão e comunicação com Ele (Gn 3.8-19; At 17.27-28). Inclusive, ainda hoje, por mais pecadoras que sejam, vê-se nas pessoas atos éticos de bondade, ações beneficentes, respeito civil e certo senso de justiça. Isso são indícios de que lhes resta entranhado em si algo da imagem e semelhança de Deus. Além do mais, Deus empregou a sua lei no coração e na mente humana de modo que a lei divina está gravada em seu coração e age através da consciência, ora acusando, ora defendendo (Rm 2.14-15). Ou seja, é ação da misericórdia de Deus termos leis punindo e restringindo a maldade, bem como uma consciência que fica pesada quando uma pessoa comete maldades. Sem essa preservação de moralidade civil, os humanos cometeriam atrocidades piores do que já cometem e agiriam como se tais atos fossem normais. Seriam todos insensíveis como Lameque que se gabou de matar um jovem rapaz que pisou nele (Gn 4.23).
Até mesmo os pagãos, ateístas e naturalistas que não possuem conhecimento da lei escrita de Deus, conservam uma lei moral escrita por Deus em seus corações de modo que a própria criação divina depõe contra deles (Rm 1.18-25). Em outras palavras, somente os seres humanos possuem a capacidade de sentir o que é certo e errado, assim como o intelecto e a vontade necessários para escolher entre eles. Por está razão, os seres humanos são chamados livres agentes morais. Diz-se também que possuem autodeterminação. Efésios 4.22-24 indica que a imagem moral de Deus, embora não completamente erradicada na Queda, foi afetada negativamente até certo ponto. Para ser restaurada a imagem moral “em verdadeira bondade, justiça e santidade”, o pecador precisa aceitar a Cristo e se tornar uma nova criação pelo Espírito Santo.
Na vida do cristão, essa natureza pecaminosa com seus intentos corruptos continua adormecida mesmo após a sua conversão, sendo seu inimigo mortal (Rm 8.6-8,13; Gl 5.17,21). Aqueles que praticam as obras da carne não poderão herdar o reino de Deus (Gl 5.21). Por isso, essa natureza carnal pecaminosa precisa ser resistida e mortificada numa guerra espiritual contínua, que o crente trava através do poder do Espírito Santo (Rm 8.4-14). Os filhos de Deus não devem tentar viver a vida cristã pelos seus próprios esforços, tomando atalhos, buscando desvios, mas renderem-se a cada dia ao Espírito Santo, uma vez que Ele através da Palavra de Deus é quem lhes ensinará a maneira certa de vivera vida cristã.
Não é possível vencer a natureza carnal mediante o autoflagelo. O servo(a) de Deus deve andar em Espírito para vencer as obras da carne, caso contrário, jamais conseguirá sozinho. Precisa ser cheio do Espírito Santo de Deus diariamente (Ef 5.18) e deixar-se dominar por Ele. Pois, se tiver uma vida controlada pelo Consolador, terá plena condição de resistir aos frequentes ataques do diabo encima da sua natureza pecaminosa. Se permitirmos que o Espírito nos domine e nos guie vamos então produzir o fruto que nos leva a agir como discípulos de Cristo (Gl 5.16). Quando o Espírito Santo tem o controle do nosso espírito, Ele faz com que o nosso homem interior tenha forças e condições para opor-se às obras da carne.
Andar na carne, ou seja, ser dominado pela velha natureza adâmica, leva a pessoa a portar-se de modo pecaminoso. Infelizmente, muitos crentes, como os de Corinto, estão se deixando dominar pelas obras da carne (1Co 3.3).
A natureza pecaminosa não tem mais poder sobre o crente quando este entrega a direção da sua vida ao Espírito Santo, mediante oração, jejum e santificação. A carne não deseja orar nem jejuar. Não deseja separar-se dos atos pecaminosos [santificação]. A prática do jejum aliado à oração constante nos santifica e nos deixa em plena comunhão com Deus. Esse ato de consagração sem reservas a Deus quebra as vontades da carne, em outras palavras, controla às vontades da carne sujeitando-a ao Espírito Santo (Mt 4.2; Gl 5.16-22).
O crente que realmente deseja fazer oposição às obras da carne precisa andar pelo Espírito, porque Ele não deixa que as paixões infames o dominem. E pelo fato de a carne ter sido destronada, deve resistir continuamente ao seu assédio para reconquistar o seu antigo controle. Sabendo que o pecado procura reinar pela lei da carne, mormente através dos seus maus desejos, tais desejos devem ser resistidos pela oração e pelo jejum.
Existem duas maneiras pelas quais o crente vive: Na carne ou no Espírito. Ou ele serve a Deus e permite que Ele domine sua natureza adâmica, ou vive praticando as obras da carne. A carne não pode, em hipótese alguma, ter vez na vida do cristão convertido, posto que a força do Espírito Santo é substancialmente maior: “Por isso digo: andem em Espírito, e de modo nenhum satisfarão os maus desejos da carne” (Gl 5.16). Andar no Espírito e ser guiado por Ele significa obter vitória sobre os desejos e os impulsos carnais. Significa desenvolver o fruto do Espírito, o melhor antídoto às concupiscências carnais.
O fruto do Espírito refere-se a uma seleção de virtudes produzidas pelo Espírito Santo na vida daqueles que foram feitos novas criaturas. É o Espírito Santo quem desenvolve seu fruto em nós à medida que nos aproximamos de Deus e procuramos ter uma vida de comunhão e santidade. De acordo com Romanos 6.22, depois de liberto do pecado, o crente precisa desenvolver o fruto do Espírito. Os dons espirituais são dádivas divinas, mas o fruto precisa ser desenvolvido, cultivado.
Se as obras da carne falam de esforço, o fruto é algo natural. A mudança das “obras” para “fruto” é importante porque remove a ênfase do esforço humano. As obras da carne são resultado do nosso labor; o fruto do Espírito é realização do Espírito em nós. Uma obra é algo que o homem produz por si mesmo; um fruto é algo que é produzido por um poder que não é dele mesmo. O fruto do Espírito tem origem sobrenatural, crescimento natural e maturidade gradual.
Quando vivíamos no pecado, nossos frutos, ações, eram as obras da carne, mas libertos do seu poder e domínio, tendo uma nova natureza implantada em nosso ser, nos tornamos uma pessoa melhor, e vamos sendo transformados pelo Espírito Santo a cada dia na imagem do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (2Co 3.16-18).
Em Gálatas 5.22-23 está escrito: “Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade [paciência perseverante], benignidade, bondade, fé, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei”. Observe nessa passagem que Paulo não fala de frutos, mas do fruto. O fruto do Espírito é uma unidade. Isso significa que todas as capacitações pertencem a um único fruto. Não somos nós que produzimos esse fruto, mas o Espírito Santo que o produz em nós. Ele assim o faz de modo em que uma virtude está diretamente ligada a outra. Portanto, essas virtudes são indivisíveis e juntas formam “o fruto”. Pense nessas nove virtudes como sendo gomos de um mesmo fruto. Não podemos ter um gomo e ser desprovidos de outros. O Espírito Santo produz seu fruto de forma completa, nos molda e nos ensina o que é certo e o que é errado à medida que buscamos a Deus em oração, leitura da Palavra e jejuns. Por meio da Palavra de Deus, o Espírito Santo vai trabalhando paulatinamente na construção do novo caráter, até que alcancemos a estatura de homem perfeito (Ef 4.13), e até que deixemos de ser meninos, e estamos prontos para produzir bons frutos (Lc 8.8).
Ainda no contexto de Gálatas 5, a Palavra de Deus fala de duas experiências distintas: “...andar no Espírito” e “...ser guiado pelo Espírito” (v.18). Há uma diferença clara entre “ser guiado pelo Espírito” e “andar pelo Espírito”, pois a primeira expressão está na voz passiva, e a segunda, na ativa. É o Espírito quem guia, mas quem anda [modo de viver] somos nós. Esta maneira de viver se realiza no crente à medida que ele permite que o Espírito dirija e influencie sua vida de tal maneira que ele [o crente] subjugue o poder do pecado, especialmente as obras da carne, e ande em comunhão com Deus.
No mais, como tratado na presente obra, o homem natural é escravo do pecado desde o seu nascimento, e no estado em que se encontra, o que lhe resta é a condenação. Portanto, torna-se impossível a salvação através de méritos humanos ou esforços próprios, pois, a mesma somente se dará através da ajuda e graça de Deus. Logo, a sua salvação é um ato extremamente da ação de Deus, através do seu amor e graça. Toda a sua salvação fora planejada pelo Deus Pai, executada pelo Deus Filho, e concluída pelo Deus Espírito Santo. Sem o Espírito Santo não podemos ser salvos, é uma obra completa. Ele é o penhor da nossa salvação e o poder que promove por meio do Evangelho as mudanças necessárias em nossas vidas.
“Os que pertencem a Cristo crucificaram a carne, com suas paixões e concupiscências. Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito” (Gl 5.24-25). Jesus levou consigo na cruz a nossa natureza carnal. Portanto, nossa carne e os desejos provenientes dela que nos escravizavam, foram crucificados com Cristo. O golpe fatal já foi dado! O Deus Trino já providenciou tudo o que precisamos para vivermos em novidade de vida, de forma santa, integra e irrepreensível, que é o que Lhe agrada.
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